Entende-se que a microbiota intestinal co-evoluiu com o hospedeiro humano ao longo de milhares de anos e é parte integrante da fisiologia humana, desempenhando um papel essencial no metabolismo, na função do sistema imunológico e na manutenção da homeostase intestinal.
O transplante de microbiota fecal (TMF) ou transplante fecal consiste na infusão de fezes de um doador saudável no trato gastrointestinal de um paciente que possua alguma doença relacionada à alteração da flora intestinal, com o objetivo de restaurar a microbiota do receptor. A ideia por trás do procedimento é a administração de material fecal contendo microbiota intestinal de uma pessoa saudável (doador) a um paciente com uma doença ou condição relacionada à disbiose, ou seja, uma alteração em sua microbiota intestinal normal.
O TMF tornou-se um foco de pesquisa na medicina nos últimos anos. A resposta clínica do TMF para diferentes doenças forneceu evidências de interações microbiota-hospedeiro associadas à vários distúrbios, incluindo infecção por Clostridium difficile, doença inflamatória intestinal, diabetes mellitus, câncer, cirrose hepática e outras.
Os primeiros relatos de TMF são do século IV, na China, quando um médico chinês administrava suspensões de fezes humanas por via oral a pacientes com intoxicação alimentar e/ou diarreia grave. Apesar de muito antigo, o TMF foi cientificamente relatado pela primeira vez em 1958, época em que foi utilizado com sucesso no tratamento de quatro pacientes com colite pseudomembranosa. E, por mais que aparente ter eficácia, o transplante fecal começou a ser largamente estudado e incorporado na prática clínica apenas nos últimos dez anos.
Em 2013 foi publicado na New England Journal of Medicine o primeiro estudo bem desenhado sobre o sucesso do TMF em infeções por Clostridium difficile e desde então, tem-se motivado inúmeros outros trabalhos relacionados ao tema. A indicação formal do TMF atualmente é restrita às infecções recorrentes por Clostridium difficile, com uma taxa de cura de até 90%.
Um aspecto essencial do sucesso do transplante de microbiota fecal é a identificação de um doador saudável. Diversas sociedades médicas disponibilizam diretrizes para seleção de doadores. A maioria não estipula um limite de idade, porém, a grande maioria dos selecionados está entre 18 e 60 anos de idade. O doador pode ser um parceiro íntimo de longa data, amigo ou voluntário não relacionado. E, antes de ser selecionado, o doador escolhido passa por uma investigação minuciosa para vários patógenos.
As vias de administração do TMF podem ser: nasojejunal, nasogástrica, endoscópica, através de enemas ou colonoscópica e até mesmo ingestão de pílulas. A escolha da via depende da viabilidade do local de realização, da experiência do médico e da segurança oferecida ao paciente. Todas as formas de aplicação apresentam elevada taxa de cura, sendo que a via colonoscópica é a mais utilizada.
São raras as reações adversas ao TMF. A maioria descreve uma sensação de desconforto gastrointestinal e que apresenta resolução em até 12 horas. São poucos os relatos de casos sobre o assunto, porém nenhum atribui diretamente ao transplante fecal as complicações apresentadas. A maioria dos pacientes que apresentaram efeitos adversos eram portadores de doença intestinal pregressa, como doença inflamatória intestinal ou diverticulite. Apesar da comprovada eficácia do TMF, ainda existe pouca recomendação clínica. Um estudo focou nesta questão e constatou que até 94% dos pacientes estariam dispostos a aceitar o TMF como tratamento caso fosse prescrito pelo seu médico. Entende-se que a educação e o envolvimento do paciente no processo decisório são fatores cruciais para aceitação da técnica.
O transplante de microbiota fecal TMF é uma técnica de comprovada eficácia, baixo custo quando comparada ao tratamento convencional e com poucos efeitos adversos. Os casos refratários e graves são as principais indicações do transplante de microbiota fecal. Assim, tenta-se tratar a doença restaurando a diversidade filogenética e a microbiota do doente, tornando a mesma (microbiota) mais típica de uma pessoa saudável.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5960466/
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https://www.scielo.br/pdf/rcbc/v45n2/pt_1809-4546-rcbc-45-02-e1609.pdf
https://www.gastrojournal.org/action/showPdf?pii=S0016-5085%2815%2900680-0